"El piercing no es de ahora" -
Imagem Promocional
do Museo del Oro Precolombino,
de Costa Rica
Imagem Promocional
do Museo del Oro Precolombino,
de Costa Rica
Uma família da cidade jantando reunida: pai, mãe e um casal de filhos. A certa altura da refeição a menina adolescente diz aos pais que vai colocar um "piercing" na língua. O irmão mais novo aproveita e expressa o desejo de furar sua orelha para usar brinco, como a maioria dos garotos de sua escola.
Num passado recente esses pais teriam um acesso de fúria ao ouvir os filhos tocarem nesse assunto. Nem tanto hoje em dia. A prática do "piercing" - ou seja: a furação de partes do corpo para a colocação de adornos - é cada vez mais comum. Está relacionada, na sociedade não-indígena, à juventude e modernidade. Porém, como bem exposto no cartaz acima, do Museo del Oro Precolombino, o "piercing" é uma prática antiga. Há registros do uso de adornos nasais na região do Oriente Médio que datam de 4.000 anos atrás, e um homem mumificado encontrado na Áustria, que viveu a 5.000 anos atrás, apresentava perfurações na orelha.
Entre os grupos indígenas que vivem no Brasil essa prática de ornamentação do corpo é comum. Existem centenas de diferentes adornos usados em furos na orelha, no septo nasal e no lábio inferior. E conforme a história desses povos, tais adornos são utilizados desde os tempos míticos.
Esse boletim da Iandé mostra alguns desses "piercings indígenas".
Alargadores e Botoques entre os Índios Kayapó
Raoni Txukarramãe, foto de capa
do livro "Caiapó Metutire"
do livro "Caiapó Metutire"
O botoque de madeira usado nos lábios é um tradicional adorno dos índios Kayapó, que vivem nas florestas de Mato Grosso e Pará.
Desde a década de 70, um importante líder Kayapó tornou-se bastante conhecido dos não-índios: o cacique Raoni Txukarramãe. Com sua férrea disposição na defesa do território e dos direitos indígenas, Raoni viajou pelo mundo sendo recebido por governantes, astros de rock e pelo Papa. Não se pode negar que seu botoque era algo impressionante. Marcava a figura de Raoni na memória. Acima está uma foto recente de Raoni (e seu botoque), que ilustra a capa de um livro sobre os índios Kayapó.
Da mesma forma que o botoque é usado para se falar melhor, os Kayapó acreditam que a capacidade de se ouvir melhor e "entender" a linguagem, é adquirida ao se fazer um buraco na orelha de alguém. Os bebês, de ambos os sexos, têm suas orelhas furadas e à medida que crescem o buraco é aumentado com alargadores de madeira, até atingir 2 a 3 centímetros de diâmetro.
Alargadores de orelha de adultos e de criança
dos índios Kayapó, esculpidos em madeira.
À esquerda, uma caneta esferográfica
como referência do tamanho das peças
dos índios Kayapó, esculpidos em madeira.
À esquerda, uma caneta esferográfica
como referência do tamanho das peças
Os índios Suyá, do norte do Mato Grosso, usam adornos semelhantes aos Kayapó. Os Suyá também associam esses alargadores à importância cultural da audição e da fala.
Para saber mais:
- Arte Indígena, Linguagem Visual; de Berta G. Ribeiro
- Caiapó Metutire, de Paulo Pinajé e Vito D'Alessio
- Kaiapó Amazonie: Plumes et Peintures Corporelles; de Gustaaf Verswijver
- Arte Indígena, Linguagem Visual; de Berta G. Ribeiro
- Caiapó Metutire, de Paulo Pinajé e Vito D'Alessio
- Kaiapó Amazonie: Plumes et Peintures Corporelles; de Gustaaf Verswijver
A origem da Perfuração de Orelhas, segundo os índios Waurá
Kamukuaká não tem pai nem mãe e por isso não tem umbigo. Certo dia ele decidiu furar suas orelhas e promoveu uma grande festa em sua aldeia.
O Sol, que morava num buraco nas pedras do rio Batovi, tinha inveja de Kamukuaká e decidiu matá-lo. Durante a festa, o Sol atirou uma flecha na cabeça de Kamukuaká, que desviou o rosto. A flecha apenas furou uma de suas orelhas.
O Sol atirou outra flecha, mas o espírito desviou-se novamente e só a outra orelha foi furada. Os outros jovens que estavam na aldeia também furaram as próprias orelhas, e a festa acabou sem que o Sol fizesse mal a Kamukuaká.
Ainda hoje, os jovens garotos Waurá participam de um rito de passagem onde têm suas orelhas furadas.
Para saber mais:
- texto: "Segunda expediçao a Kamukuaká"; escrito por Aléia Metre e publicado na revista Brasil Indígena de jul/ago-2002
Os Índios Botocudos
Quando os primeiros europeus chegaram ao Brasil, encontraram alguns grupos indígenas que destacavam-se pelo uso de grandes discos de madeira nos lábios e nas orelhas. Esses índios viviam em uma área que ia do sul da Bahia ao sul do Espírito Santo. Foram chamados inicialmente de "Aimorés". Depois de algum tempo, devido ao uso de seus adornos, foram rebatizados pelos portugueses de "Botocudos".
à esquerda: índia botocudo fotografada em 1876
à direita: "Capitão June e sua esposa, rio Jequitinhonha" -
gravura de M.Wied-Neuwied, de 1815,
registrando família de índios Botocudos
à direita: "Capitão June e sua esposa, rio Jequitinhonha" -
gravura de M.Wied-Neuwied, de 1815,
registrando família de índios Botocudos
Os Botocudos não constituiam um grupo indígena único. Eram índios de diferentes etnias com algumas características em comum: como o uso dos botoques e o semi-nomadismo. Sobre o genérico nome "botocudo" eram conhecidos os índios das etnias Pojixá, Jiporok, Naknenuk, Nakrehé, Etwet, Krenak, entre outras... Os botocudos foram caçados de forma vil e cruel pelos portugueses e os únicos sobreviventes são os Krenak, que vivem hoje no norte de Minas Gerais e não usam mais os antigos botoques. Os não-índios desencorajavam o uso dos botoques à medida que iam conquistando esses povos.
Os ornamentos dos Botocudos eram feitos da madeira extraída da árvore "Barriguda" (Bombax ventriculosa). Depois de cortada, a madeira era desidratada no fogo o que a tornava leve e branca. Era comum que o botoque fosse pintado com riscos geométricos. Somente os homens esculpiam os botoques, mesmo aqueles usados pelas mulheres. As orelhas das crianças eram furadas aos 7 anos de idade mais ou menos e os lábios um pouco mais tarde. Os botoques implantados inicialmente eram pequenos e aumentavam de tamanho gradativamente.
Os Botocudos contavam que esses adornos eram uma indicação de seu herói-cultural, chamado Marét-Khamaknian. Ele vivia no céu, era muito alto, tinha cabelos vermelhos e um enorme pênis. Foi ele quem ensinou toda a cultura aos Botocudos. O herói atendia aos pedidos da comunidade mas também enviava castigos na forma de tempestades e na morte, provocada por uma flecha invisível que atingia o coração dos índios. Marét-Khamaknian vivia com uma mulher chamada Marét-Jikki (a velha Jikki), mas o casal não se dava muito bem e suas brigas eram a explicação para as diferentes fases da lua.
O Governo do Brasil promoveu uma guerra contra os Botocudos. Na virada do século XVIII para o século XIX, foram revogadas as leis da época que concediam alguma proteção aos índios e seguiu-se um massacre contra eles para ocupação da área onde viviam. A ferocidade do governo brasileiro gerou protestos na Europa, porém no início do século XX restaram poucos Botocudos vivos. Os índios Krenak foram os únicos que sobreviveram como etnia e a eles juntaram-se os Botocudos de outros grupos que sobreviveram à fome, doença e à guerra.
Em 1955, descobriu-se minério na área onde estavam os Krenak e eles foram novamente expulsos da terra onde viviam.
Na década de 80, Aílton Krenak, neto dos sobreviventes Botocudos, foi personagem de uma comovente cena quando discursou no Congresso Nacional em defesa de direitos indígenas que acabaram incluídos na Constituição. Enquanto falava na tribuna, usando terno e gravata obrigatórios no Congresso, foi pintando seu rosto com tinta preta, como faziam seus antepassados.
Para saber mais:
- O lugar onde a terra descansa, de Ailton Krenak- texto: "Os Botocudos e sua trajetória histórica"; de Maria Hilda B. Paraíso - incluído no livro "História dos Índios no Brasil", organizado por Manuela Carneiro da Cunha
Adornos Faciais Indígenas
A seguir estão alguns adornos faciais utilizados por índios do Brasil:
no alto: brincos de madrepérola,
ao meio: palitos de madeira usados nas bochechas,
abaixo: adorno nasal esculpido em concha de caramujo;
todos usados por índios Matis, do Amazonas
ao meio: palitos de madeira usados nas bochechas,
abaixo: adorno nasal esculpido em concha de caramujo;
todos usados por índios Matis, do Amazonas
alargadores de orelha, feitos em madeira,
dos índios Rikbaktsa, do Mato Grosso
dos índios Rikbaktsa, do Mato Grosso
no alto: furador de septo nasal, feito em madeira,
dos índios Pareci (Mato Grosso)
abaixo: furador de septo nasal, lóbulos das orelhas e
lábio inferior, feito com penas e cabelos humanos,
dos índios Bororo (Mato Grosso)
dos índios Pareci (Mato Grosso)
abaixo: furador de septo nasal, lóbulos das orelhas e
lábio inferior, feito com penas e cabelos humanos,
dos índios Bororo (Mato Grosso)
adorno nasal (narigueira),
dos índios Nambikwara, de Rondônia
dos índios Nambikwara, de Rondônia
adornos labiais (labretes/tembetás) diversos:
sentido horário a partir do canto superior direito:
dos índios Wai Wai, do Pará, feito com miçangas;
dos índios Bororo, de Mato Grosso, esculpido em madrepérola
dos índios Kaapor, do Maranhão, feito com penas;
dos índios Parakanã, do pará, esculpido em pedra
sentido horário a partir do canto superior direito:
dos índios Wai Wai, do Pará, feito com miçangas;
dos índios Bororo, de Mato Grosso, esculpido em madrepérola
dos índios Kaapor, do Maranhão, feito com penas;
dos índios Parakanã, do pará, esculpido em pedra
Nenhum comentário:
Postar um comentário